quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Um dos piores dias

Quinta-Feira, 27 de Agosto de 2009.

5:48 da manhã:
O celular toca. É o despertador. Eu sento na cama e oro. Peço a Deus por um dia abençoado e de sucesso.
Um ruído. A porta do quarto dos meus pais fora aberta. Eu esperava por isso. A cabeça do meu pai surgiu no meio da escuridão perguntando se eu já acordara. Eu respondi que sim.

5:52:
Entro no banheiro.
Tomo banho. Um banho ligeiro.
Visto-me.
Escovo os dentes.
Saio.

6:08:
O meu pai aguarda no carro.
Desço as escadas do prédio.
Entro no carro.

6:25:
Chegamos no ponto de encontro: o centro de formação de condutores.
Saio.
Faço um lanche na lanchonete ao lado.
Pago o pão esquentado com manteiga na sanduicheira.
Pago 25 centavos por um jornal.
Constato que duas pessoas que também realizariam o exame de direção veicular haviam chegado.
Converso com elas.
Volto ao carro.
Saio.
O meu pai vai embora.
O meu instrutor aparece e nos dá carona para a área de exame: os arredores do estádio Mineirão.

Por volta de 6:45:
Chegamos ao local.
Um dos examinados do grupo de cinco aprendizes treina balizas em cones.

Por volta de 7:50:
Os examinadores da Polícia Civil chegam para preparar o local.
Um salto no tempo.

***


Não sei que horas eram quando Amanda – uma dentre os aprendizes examinados – saiu do carro e cedeu lugar para a minha vez ao volante. Ela passou a primeira etapa. Chegara a minha hora. O meu instrutor me cumprimentou e fui até o veículo. Eu não fazia idéia... O meu exame seria mais rápido do que imaginava.
Entrei no carro.
O examinador perguntou o meu nome.
— Paulo de Tarso...
— Boa sorte.
— Assim espero...
Ajustei o banco. Certo.
Acertei o retrovisor esquerdo, depois o do meio. Ignorei o direito, pois já estava na posição que me era conveniente: para baixo, mirando o meio-fio. Certo.
— Ligue o carro. — disse o examinador de dentro, já que havia outro fora do carro para espreitar qualquer situação de falta ou irregularidade.
Coloquei o cinto. Estava torto. Encaixei assim mesmo. Certo nervosismo. Controlável, entretanto. Coloquei em ponto neutro. Dei a partida.
— Se quiser, pode dar a ré.
— Sim, senhor. — respondi com irrestrita formalidade.
Afundei o pé no pedal de embreagem e executei o movimento de troca de marcha. Certo.
O carro foi para trás.
Verifiquei a que distância estava a haste do cone. Distância suficiente – uma constatação real. Fitei o retrovisor direito. O carro recuou um pouco mais. O pneu encostaria no meio-fio. Parei. (esse é o momento no qual provavelmente teria tocado o cone)
— Pode sair, senão vai encostar. — o policial deu a dica. E seria ótima, se não tivesse sido tardia.
— Certo.
Engatei a primeira. O carro avançou alguns centímetros à frente.
Uma voz vinda de fora deu a notícia:
— Já bateu no cone.
O quê? – pensei. Mas...
— Já encostou. Eu te disse para parar senão encostaria.
— Encostou? — estava atordoado. — Não vi. Estava olhando para o retrovisor... o pneu bateria...
— Alinhe o volante, por favor. E desligue o motor.
Obedeci.
— O senhor poderia me dar uma ajudinha, por favor? — vi todo um período de treinamento ser jogado fora num tempo inferior ao estalar de dedos.
Eu ajudei. — o cara-de-pau ainda teve a ousadia de falar, exprimindo uma naturalidade detestável.
Te disse para parar e você continuou.
Fiquei sem reação. Quando me disse, o carro já tinha encostado. Ele não havia percebido isso. O outro de fora, esse sim, viu, mas pensou que o examinador de dentro iria mandar parar – o que não foi feito. Ele então entrou em ação.
O que mais me irritou nessa história é que o educado policial não admitiu seu erro. Sim, eu errei, e feio. Cometi uma falta eliminatória. Grave? Não! Nem aqui e nem em Punta Del Leste. Nem aqui e sequer na vermelha Marte. Ele poderia ter me dado uma nova chance para mostrar o que sei. Até esse direito tiraram de mim. Odiei-me pelo meu erro grotesco. Fui punido. Mas e o policial? Ele não foi punido. Seguiu seu rumo como se nada tivesse acontecido. E eu? Lembra-se? Veja lá em cima. Que horas levantei da cama? E todo o treinamento? Meses jogados fora. Quanto paguei para marcar esse exame? 150 reais! Na verdade, para piorar, o dinheiro não saiu do meu bolso. O meu pai foi quem pagou. E me odiei ainda mais por isso. Joguei a grana pelo ralo. Repudio todo e qualquer desperdício. Sempre fui assim. Esse dinheiro foi um investimento. E pra quê? Para entrar e sair do carro? Não. Definitivamente não. Acabou se tornando um asqueroso desperdício.
Repeti a mesma falha da tentativa anterior, na qual fiz uma conversão errada – algo que sequer em sonho costumo fazer. Dois erros. Não circulei com o carro. Não fiz nada. Medíocre. Ridículo. O pior de todos. Foi como me saí. Chorei. Chorei muito. O meu mundo havia caído. Não pude me controlar. Era como se eu tivesse começado uma prova e, por ter escrito o meu nome errado, fui reprovado. O erro mais banal que se poderia cometer.
Uma avalanche de sentimentos me soterrou e só fui resgatado depois de muitas horas esquecido e sufocado. Fiquei sensibilizado. Qualquer pensamento me flagelava, humilhava-me. Ninguém estava lá para me consolar. Tive de ME consolar. Não angariei forças para ligar para o meu pai. Não tinha coragem. Só vergonha. Mais um fracasso. E dos grandes. Como eu diria: “Pai, não passei. Sequer fiz a baliza. Dei a ré e o meu exame acabou.” Diga-me. Como eu diria isso? Fiz papel de idiota.

***

— Aquele cara disse que me ajudou. Ele está de brincadeira! Me deu a dica depois da cagada já ter sido feita. — disse para o meu instrutor.
E me afastei. Andei para um lado qualquer. Desorientado. Ninguém trocou uma palavra comigo depois disso. Fizeram o correto. Não me conheciam o bastante para saber qual seria a minha reação. Apenas chorei. Sentei e chorei.
Papai ligou.
— Ei, filho. E o teste?
— Já terminei. — respondi, num esforço tremendo para manter-me firme. — Fui o segundo a fazer. — e silêncio.
— Filho... filho.
Um murmúrio contido.
— Não estou te ouvindo...
— Não passei, pai... — e o choro escancarado irrompeu impiedosamente como se as comportas de uma represa cheia tivessem sido abertas.
— Não precisa chorar, filho. Levanta a cabeça. A vida é assim.
Mas nada do que ele dissesse me consolaria. A conversa acabou. A tristeza aumentou.
Dos cinco examinados, três passaram. Um saldo positivo. O mais bacana foi que os aprovados não se permitiram deixar-me ainda mais para baixo. Estavam contentes por terem passado, mas não esfregaram isso na minha cara. Foram gentis. Foram piedosos. Foram discretos.
Eu cheguei a ouvir: “Não fique assim”. Gostei. Mas o maior motivo para seguir em frente, além, é claro, do fato de eu saber dirigir tão bem quanto os outros que foram aprovados, foi a frase do meu instrutor Leandro, pouco antes de me deixar de volta à porta da auto-escola:
— Paulo, nem sei o que te dizer...
Não precisava ter dito mais nada. Isso foi o bastante. Muito obrigado a todos. Vou em frente. Vou em paz. Haverá uma outra chance, mais rápido do que imagino.

6 comentários:

Paulo Araújo disse...

Eu li o texto de cima a baixo.
Ficou legal.
Ninguém leu.
Não faz mal.

Hehehehe...

:->

Paulo Araújo disse...

Vamos encher isso aqui
;-)

Hahahuhu, Paulinator eu vou comer seu bolo!

Paulo Araújo disse...

São fatos.

Paulo Araújo disse...

São verdades...

Paulo Araújo disse...

3 de Setembro.
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.............
No sábado postarei uma nova mensagem.

Paulo Araújo disse...

Não... espere aí...
Vou pensar...
Talvez eu poste algo ainda hoje.