sábado, 26 de abril de 2008

Um dia me dirão sim novamente

Em uma cidadezinha no sul da França nasceu um garoto chamado Luigi Ollgras. Sua mãe era pobre, abandonada pelo marido, mas trabalhadora. Apesar das dificuldades nunca deixou faltar nada ao filho.

Ao dar à luz Luigi – nome dado em homenagem ao seu falecido pai – ela logo constatou que o menino havia nascido com uma leve deformidade no lado esquerdo da face. Uma parte do rosto era caída em relação à outra. Ela ficou triste com o problema do filho, pois sabia que seria difícil criar uma criança defeituosa.

Com o passar dos anos, o menino cresceu e completou quatro anos. Até aí, ele nunca saíra, pois a mãe evitara expô-lo às pessoas de fora e apenas sua tia sabia do menino. Seu maior temor era fazer seu filho ter de enfrentar o preconceito das pessoas, mas mesmo assim definiu por enfrentar a situação, por mais que ela doesse.

Quando o menino completou cinco anos, passou a freqüentar uma escola especial, cujas turmas eram reduzidas. O garoto, feliz por finalmente se envolver com outras crianças, procurou se adaptar rapidamente ao novo ambiente, mas o maior medo de sua mãe se concretizou: ao ser recebido, Luigi foi encarado com estranheza pelas outras crianças da turminha.

No decorrer dos dias, Luigi se ambientou às outras crianças. Elas, por sua vez, perguntavam por que ele era daquele jeito. Ele respondia que nascera assim; não havia motivo. Apesar de ser diferente dos demais, ele foi aceito pela maioria.

Quando completou doze anos, Luigi e sua mãe tiveram de se mudar em detrimento das dificuldades financeiras surgidas de se morar ali. Eles partiram para Marselha, onde havia emprego melhores. Imediatamente, ela o matriculou em uma nova escola. O menino estava ansioso por conhecer gente nova, mas, para sua surpresa, foi recebido com a mesma estranheza da primeira vez em que entrara numa sala de aula.

Ele ansiava por passar rapidamente aquela fase chata de adaptação para formar novas amizades, mas desta vez foi diferente: após semanas na nova escola, ninguém queria ser seu amigo. Isso o entristeceu muito.

Ao se queixar com a mãe, ela explicou que era assim mesmo, orientando-o a seguir firme sem abaixar a cabeça para as outras pessoas. De fato, no dias seguintes às palavras da mãe, ele assumiu uma postura segura, mas logo sua moral despencou ladeira abaixo e o garoto nunca mais se recuperou.

Seu martírio conservava-se dia pós dia. No decorrer do ano, Luigi se isolava cada vez mais. Nos intervalos das aulas sentava num cantinho só seu, no lugar mais distante e escondido possível dos outros. Considerava melhor assim, pois ninguém se incomodaria com sua deformidade.

Prestes a completar quinze anos, Luigi decidiu se matar. A mãe, como não tinha dinheiro para pagar psicólogo, atordoada, não sabia a quem recorrer. Seu filho sumira e não entrava em contato já fazia um dia inteiro. O jovem subiu até à cobertura de um edifício de quinze andares – um dos mais chiques da cidade. Ali ele encurtaria seu sofrimento e solidão.

Ao chegar lá em cima, pensando ser um andar desocupado, ficou horas sentado, remoendo suas más lembranças e aflições. Quando se levantou para pular lá embaixo, o garoto chorou copiosamente. Tinha medo de pular, mas não queria mais viver daquela forma. Um gemido então se ouviu de algum lugar atrás dele.

Era um cachorrinho solitário. Luigi se aproximou para vê-lo melhor. Percebeu que o animalzinho possuía duas patas a mais. Ele parou de chorar e se compadeceu do pobre cãozinho. Pegou-o no colo não se importando com sua deformidade; antes, apenas lhe dava carinho.

Acariciando a cabeça do cachorro, Luigi disse: “Ninguém nos quer, não é mesmo totó?”. Uma voz então surgiu da escadaria: “Esse cão é meu”, disse uma senhora, aparentando ter uns sessenta anos.

“Desculpe-me, eu pensei que ele tivesse subido aqui sozinho”, volveu Luigi.

“Eu o trago aqui para pegar sol. Geralmente ele fica trancado em casa, sem sair para lugar nenhum”.

“A senhora é quem não o deixa sair?”.

“De jeito nenhum! Eu sempre deixo a porta de casa aberta para o Lux sair, mas ele prefere ficar lá dentro. Eu acho que ele se sente sozinho lá fora, porque nenhuma pessoa se interessa por ele. Apenas eu o peguei para criar, desde que era pequeno”.

“É mesmo?”.

“Sim. Mas o que você, garoto, faz aqui em cima? É perigoso!”.

Sem jeito para dizer que queria tirar a própria vida, Luigi mentiu, dizendo que queria apenas observar a cidade dali.

“Eu acho que não dá para ver a cidade daqui. Esses prédios em frente impedem que você faça isso. Você está aqui por outro motivo”.

“Sim”.

“E qual é? Posso saber?”

“Não”.

“Posso ver que seu rosto é um pouco diferente. Será que você quer ficar sozinho por isso?”

“É... acho que sim”.

“Pois não faça assim. É triste viver desse jeito”.

“Mas o que posso fazer? As pessoas não querem conviver comigo. Sempre que peço algo a elas, me respondem não isso, não aquilo. Antes de vir morar aqui, nunca me disseram não”.

“Com quantos anos você veio morar aqui?”

“Com doze. Por quê?”

“Quando crescemos, a rejeição alheia aumenta. Não ligue para isso. Se não te disserem sim, diga a eles você mesmo. Com certeza vão se sentir muito culpados por não retribuírem o carinho e consertarão o erro que cometeram”.

“E assim um dia me dirão sim novamente!”, exclamou Luigi, contente por renovar suas esperanças de viver feliz novamente.

Nenhum comentário: